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Helen Gurley Brown, eu (à esq.) e Alexandra Belmonte (à dir.) |
Helen Gurley Brown morreu a 13 de Agosto, aos 90 anos. O seu desaparecimento tocou-me de forma particular, pois foi uma das mulheres extraordinárias que tive a felicidade de conhecer, ainda que brevemente.
A sua biografia é conhecida e foi recordada pelos principais meios de comunicação social de todo o mundo por altura do seu falecimento. Em 1965 Helen Gurley Brown pegou numa revista literária moribunda e criou um ícone mundial, a Cosmopolitan, cujo alvo era as cosmogirls: fun, fearless females (mulheres divertidas e destemidas). Três anos antes, por sugestão do marido, o produtor de Hollywood David Brown, escreveu Sex and The Single Girl, em que defendia que as mulheres tinham direito à vida sexual antes do casamento e deveriam apostar numa carreira profissional para serem financeiramente independentes. Em três semanas vendeu 2 milhões de exemplares. Em poucos anos estava publicado em 35 países. O seu lema era: “As boas raparigas vão para o Céu, as más vão para todo o lado”.
Helen teve um enorme impacto na sociedade de todo o mundo, pois foi uma pioneira da libertação da mulher, embora não tenha agradado aos dois pólos: o conservador que via nela uma ameaça à devoção das mulheres ao casamento e à família; e, no outro extremo, as feministas que consideravam que defendia a submissão da mulher com os seus truques para agradar aos homens ou alguns conselhos para usar atributos sexuais para subir na carreira.
Em 1997, numa altura em qua a Cosmopolitan vendia já 2,5 milhões de exemplares, passou a direcção da revista a Bonnie Fuller, e passou a desempenhar funções de editora-chefe das edições internacionais da publicação. Conhecia-a em Nova Iorque, em visita de trabalho à editora Hearst, quando assumi funções de directora da Cosmopolitan em Portugal. Foi um breve encontro no final do ano 2000 e um almoço de muita conversa que me deixam recordações muito doces.
Aguardava-nos (a mim e à Alexandra Belmonte, editora de arte da Impresa) no seu escritório, decorado com tecidos com motivos trigreza e muito cor-de-rosa forte. De pequena estatura e aparência muito frágil, parecia que se ia desconjuntar no segundo seguinte. Mas, apesar dos seus 78 anos, Helen era uma mulher forte e temerária. Tinha uma energia e um gosto pela vida invulgares. Vestia uma mini-saia que evidenciava as suas pernas muito magras. Naquele dia usava umas mules que deixou cair à entrada do restaurante italiano onde fomos almoçar. Os empregados, musculados e solícitos, apressaram-se a baixar-se para lhe calçar os sapatos – fiquei com a ideia que deixara cair os sapatos propositadamente. Comeu uma salada de camarão com as mãos, pois considerava que era mais sexy do que usar os talheres. Ao almoço falou dos temas mais pessoais que se possam imaginar e não se coibiu de fazer perguntas íntimas de forma directa.
De regresso a Portugal, depois daquela visita recebi uma carta, em que oferecia as suas impressões sobre a revista. Durante todos os anos em que foi responsável pelas edições internacionais da revista, escreveu mensalmente às directoras da Cosmopolitan (actualmente a revista tem 64 edições, é publicada em 35 idiomas e distribuída em mais de cem países): duas a quatro páginas dactilografadas com os seus comentários acerca de cada revista, quase da capa à contra capa. Tinha sempre uma palavra de incentivo e mesmo quando pretendia fazer críticas elas eram lidas como sugestões de melhoria, pois nunca perdia o tom de grande estima, simpatia e cordialidade. Nestas cartas reforçava sempre a ideia de que era óptimo publicarmos artigos de carreira todos os meses e insistia em que as fotografias de moda se deveriam mostrar bem os pormenores das peças de vestuário.
Helen era a guardiã do posicionamento da revista, que havia que respeitar religiosamente. A oportunidade de trabalhar com um formato internacional, claramente definido, proporcionou-me uma das maiores lições que recebi na minha carreira como editora: não pretender ser tudo para todos. A Cosmopolitan é assumidamente a bíblia das jovens solteiras em todo o mundo e diferencia-se das outras revistas femininas pela devoção às listas com dicas sexuais, conselhos de relacionamento, além da beleza e da moda, com decotes ousados e pernas à mostra. Histórias apimentadas e muitas confissões de leitoras sobre as suas marotices entram em todas as edições.
Anos depois revi Helen nos encontros internacionais que a revista realizou em Nova Iorque, onde se juntavam as directoras de todo o mundo. Parecíamos delegadas das Nações Unidas: havia representantes do Brasil, da India, da Indonésia, passando pela Rússia ou pela Africa do Sul. Recordo um passeio de barco no rio Hudson, onde Helen dançou sem parar – nunca percebemos como aquela figura frágil se conseguia equilibrar apesar da ondulação. E a entrevista que fez a Woody Allen, seu amigo e um dos convidados para abrilhantar o encontro.
Após a sua morte, em comunicado, Frank Bennack, executivo-chefe da Hearst, afirmou: "Helen Gurley Brown era um ícone. A sua fórmula para dar conselhos diretos e honestos sobre relações, carreira profissional e beleza revolucionaram a indústria das revistas." É assim que a recordo: uma mulher singular e uma lenda inspiradora do mundo editorial.