Mulheres excepcionais

domingo, 26 de fevereiro de 2012

“Pense grande”




“Não investimos em vítimas, investimos em sobreviventes. E seja grande ou pequena, a narrativa da vítima define a forma como vemos as mulheres”, afirma Gayle Tzemach Lemmon nesta conferência TEDxWomen.  Para esta jornalista que tem feito importantes reportagens sobre o empreendedorismo feminino em vários pontos do mundo, as mulheres empreendedoras, - que lançam negócios com que se sustentam, sustentam a família e, por vezes, a comunidade em seu redor - são a solução negligenciada para o desenvolvimento económico. Por que razão as mulheres só conseguem micro-créditos, interroga. “As mulheres não podem continuar a ser, ao mesmo tempo, metade da população e um grupo de interesse especial.” 

Para Gayle Tzemach Lemmon estas mulheres são um exemplo a ser seguido e não devem ser consideradas como uma excepção. “Quando falamos de homens que estão a ter sucesso, consideramo-los, correctamente, como ícones, pioneiros ou inovadores a serem seguidos. E quando falamos de mulheres ou são excepções a serem desconsideradas ou aberrações a ser ignoradas.”

domingo, 19 de fevereiro de 2012

A inspiradora história de Tererai Trent

Tererai Trent no programa de Oprah Winfrey,
que classificou a sua história como "incrível"
Tererai Trent nasceu numa aldeia do Zimbábue. Vivia pobremente numa cabana, sem água corrente ou luz eléctrica. Em criança, só queria estudar, mas essa era uma oportunidade apenas concedida a rapazes. Tererai chorava, implorava ao pai: “só um dia na escola”, mas as suas súplicas de nada serviam. 

Aprendeu a ler e a escrever através dos livros do irmão e era ela quem lhe fazia os trabalhos de casa. A professora rapidamente descobriu e, reconhecendo as suas aptidões, pediu ao pai que a deixasse frequentar as aulas. A alegria da pequena durou poucos meses, pois aos 11 anos, o pai casou-a. Aos 18 anos, Tererai já era mãe de três filhos. O marido batia-lhe quando ela dizia que queria estudar. 

Em 1991 Jo Luck , presidente executiva da organização Heifer International visitou a aldeia. Perguntou às mulheres: “quais as vossas esperanças, quais os vossos sonhos?" Tererai recorda-se nitidamente da reposta: “O meu nome é Tererai e quero ir para a América, para estudar”. 

“Ela olhou para mim e disse: 'se desejas essas coisas, podes alcançá-las’. A mãe de Tererai disse-lhe que escrevesse os seus sonhos e os enterrasse, pois se realmente acreditasse neles, eles cresceriam cada vez mais. Que cobrisse esses sonhos com uma pedra, pois essa pedra chamá-la-ia, onde quer que estivesse no mundo. “ Serás a última pessoa, a que quebrará este círculo de pobreza”, disse-lhe a mãe. 

Passo a passo, Tererai cumpriu quatro dos seus sonhos. Em 1998 mudou-se para Oklahoma com o marido e os cinco filhos. Três anos depois, tirava a licenciatura em Agricultura (via de ensino). Obteve o mestrado; em 2003, no mesmo ano em que marido foi deportado por agressão. Em Dezembro de 2009, concluía o seu doutoramento! 

Hoje Tererai é, por seu turno, uma fonte de inspiração para toda a sua aldeia, que está a ajudar a desenvolver através da construção de uma escola. A história de Tererai Trent prova como uma pessoa, que parece condenada a um destino, pode mudar a sua vida. Mostra como Jo luck semeou o sonho e a esperança que ajudaram Tererai a mudar a sua vida.Exemplifica como a educação das mulheres é uma forma de as libertar da miséria e da opressão.

Veja a reportagem do programa Oprah, que a incluiu na série Oprah's All-Time Favorite Guest Revealed!, clicando aqui.

No programa Oprah Winfrey anunciou o donativo de 1,5 milhões de dólares que a sua fundação entregaria à Save the Children, para reconstruir a escola primária da aldeia de Tererai. Veja aqui o vídeo com a surpresa que ajuda Tererai a concretizar o seu sonho de assegurar educação de qualidade ás milhares de crianças da sua aldeia, entrando aqui.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Mariane Pearl em busca de esperança

Em 2002 Daniel Pearl, repórter do The Wall Street Journal, encontrava-se em Karachi, no Paquistão, a investigar pistas sobre os atentados terroristas do World Trade Centre, quando foi sequestrado por extremistas da Al-Quaeda. 

Quando o marido foi raptado, a sua mulher, Mariane Pearl, estava grávida de seis meses. Não é difícil imaginar a sua preocupação e revolta. Mas Mariane agarrou-se à esperança de que as investigações produzissem efeito e, intrépida, tentou tudo para salvar o marido. A angústia e o desespero alternavam com a força, numa corrida contra o tempo, para tentar localizar Daniel. Infelizmente, todos os esforços se revelariam inúteis. Daniel foi decapitado frente a uma câmara de televisão, para divulgação em todo o mundo. 

Mariane fez o luto escrevendo a história da sua investigação. O resultado é A Mighty Heart, a chocante narrativa que em 2007 foi levado ao grande ecrã (Um Coração Poderoso), com a Angelina Jolie no papel de Mariane. 

Capa do livro de Mariane Pearl

Em 2007, Mariane Pearl regressou com In Search of Hope. Este livro perfila mulheres profundamente optimistas e verdadeiramente extraordinárias que Mariane descobriu em diferentes pontos do planeta. Estas mulheres mudam a vida de outras pessoas e melhoram o mundo em que vivemos. Fazem a diferença. Perante a exploração, a brutalidade, o ódio, elas respondem com a bondade e a compaixão. 

O primeiro capítulo é dedicado à cambojana Somali Mam, que em criança foi vendida para a prostituição, e hoje dedica a sua vida a salvar outras crianças que são mantidas como escravas sexuais. Segue-se as damas de branco, de Cuba: mães, mulheres, irmãs, filhas de 75 presos políticos. Há a jornalista mexicana Lydia Cacho que denunciou a ligação do poder local à pedofilia em Cancun, no México, o país mais perigoso para os jornalistas no hemisfério Norte. Fica-se a conhecer uma empregada de limpeza marroquina em Paris, que escreveu Prière à La Lune - a lua é a sua companheira, a quem descreve as dificuldades de tentar assimilar a sociedade francesa, mantendo-se fiel à sua herança cultural, navegando entre dois mundos. No total são 12 as mulheres retratadas. Se incluirmos a autora, que nos vai revelando alguns aspectos da sua biografia, são 13 as mulheres excepcionais reunidas na reportagem desta viagem geográfica e espiritual de Mariane Pearl. 

Com esta obra, que reúne os textos originais que publicou na sua coluna na revista Glamour, Mariane quis mostrar que há esperança. A sua crença num mundo melhor deriva das acções destas mulheres. Foi uma gesta profissional e pessoal, pois o seu objectivo é dar esperança ao seu filho. “Precisava mesmo de responder à questão: podemos espalhar a esperança da mesma forma que outros espalham o medo? Que activos temos para fazer isto? Para mim, são estas pessoas”, explicou à Newsweek de 12 de Novembro de 2007. 

In Search of Hope é um livro belíssimo: com boas fotografias e bom grafismo. Mas o melhor é o texto e a sua mensagem reconfortante! 

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Leonor Baldaque e o seu romance de estreia
photo C. Hélie/Gallimard

Quando terminámos as entrevistas para o livro “As Mulheres normais têm qualquer coisa de excepcional”, no final de 2009, Leonor Baldaque, actriz de Manuel de Oliveira, acabara de filmar A Religiosa Portuguesa e levava uma vida simples em Roma, lendo Ovídio e outros clássicos e dedicando-se à escrita. O resultado da sua inquietude cultural surge agora a público: Vita (La Vie Légère), o seu primeiro romance, foi editado pela prestigiada Gallimard e foi lançado em França a 19 de Janeiro.

Vita é a história enigmática de Paul, Vita e Millicent , três primos sem família, que se encontram sozinhos numa casa isolada, próxima de um rio e do mar. Escreveu Le Nouvel Observateur (de 2 a 8 de Fevereiro de 2012): “as palavras de Leonor Baldaque têm uma musicalidade singular, quase hipnótica (percebe-se os ecos de Nathalie Sarraute). Ela abre ao leitor as portas de um mundo estranho, sensual e onírico onde a vida parece ligeira. Mesmo que se sinta, por vezes, que o exercício é um pouco forçado, esta deslocação encanta”.
O livro foi escrito directamente em francês: “Em francês digo o que sinto com as palavras certas. É a língua da liberdade de expressão, das luzes, da idade adulta, em que aprendi a ser eu própria. Foi uma língua que me libertou ”, explicou Leonor Baldaque durante as conversas que tivemos.

Leonor está também de parabéns por, no final de Dezembro de 2011, ter sido distinguida na IV edição do Prémio de Actores de Cinema da Fundação CGA (Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes ou Executantes) 2010, na categoria “Melhor actriz Principal”, pelo seu papel em A Religiosa Portuguesa, do realizador Eugène Green.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

As Mulheres normais têm qualquer coisa de excepcional


Bem-vinda(o) ao blogue "As Mulheres Excepcionais".

Tal como o livro As mulheres normais têm qualquer coisa de excepcional (Bertrand), que editei em 2010, este blogue pretende divulgar retratos de algumas pessoas fortes, singulares e optimistas que me tocaram. Na sua diversidade, as pessoas aqui retratadas ilustram a multiplicidade de gerações, vivências e mentalidades das mulheres em Portugal. Será também um espaço de partilha e reflexão sobre assuntos que tenham que ver com a condição da mulher.


A profissão de jornalista, que exerço há mais de 20 anos, tem-me proporcionado o conhecimento e conversas com inúmeras pessoas, quase todas interessantes. Poucas pessoas, no entanto, me marcaram tão profundamente como Elisabete Jacinto que entrevistei em 2000, para a revista Executiva, projecto por cujo lançamento fui responsável, enquanto suplemento trimestral da revista Executive Digest. Elisabete Jacinto vivia apaixonada pelas corridas. As suas histórias tinham mistério e aventura e, afinal, a protagonista era uma pacata professora de Geografia – uma mulher normal, que graças ao motociclismo se tornava uma pessoa mais forte, mais corajosa, ultrapassando as suas limitações e os seus medos. Um exemplo!
Quando lhe propus contar-me a sua história de vida para o meu livro, Elisabete disse logo que sim: “Não me esquecerei nunca da entrevista. Constituiu um marco importante na minha vida. Fiquei muito surpreendida quando a li simplesmente porque descobri nesse dia que, afinal, eu era… optimista! Nós lutamos sempre por um objectivo ambicioso, que está sempre um bocadinho fora do nosso alcance. E temos de lidar com a frustração de não conseguirmos lá chegar. Não sabia que tecnicamente dito era optimista, se insistia é porque continuava a ter esperança. Essa descoberta depois puxou outras e é por isso que lhe digo que foi uma entrevista especial.”
Fiquei ainda mais curiosa de, quase uma década depois, saber que percurso trilhara esta mulher, que descobrira já tão fascinante aos 35 anos. A aventura das motas [mais tarde Elisabete começou a correr em camiões] consumia todos os seus esforços e recursos. Seria ainda assim? Nestes anos superou-se e conquistou algumas vitórias ou digeriu frustrações? Agora que a serpente do Dakar fugiu das douradas dunas do norte de África para correr na América do sul, sentiria Elisabete o mesmo apelo? A maternidade, dizia Elisabete naquela altura, estava a ser perigosamente adiada. Teria concretizado esse sonho?

Soledade Carvalho Duarte dizia que nascera para ser mãe. Tinha quatro filhos e vontade de ter muitos mais, e paralelamente uma empresa para cuidar. É managing partner da Invesco Transearch, a primeira empresa de pesquisa directa de executivos a lançar-se em Portugal. A actividade deste tipo de consultoras é encontrar os profissionais com o perfil adequado para uma posição aberta na empresa que contrata os seus serviços. São óptimas fontes para os jornalistas de negócios, pois conhecem os melhores executivos. É para estes profissionais que nos viramos quando precisamos de descobrir uma pessoa que tenha mudado de vida aos 40 anos, um engenheiro que tenha uma empresa de moda, ou um self made man que tenha chegado a presidente da empresa onde começara a trabalhar como paquete – entre aqueles profissionais que os caçadores de cabeças conhecem existe certamente algum com o perfil que procuramos. Maria Manuel Serina, uma amiga também jornalista, marcou um encontro para que nos conhecêssemos. Dizia dela que era uma pessoa excepcional. Desde então temos repetido almoços e os motivos já não são puramente profissionais. Fui conhecendo a Soledade e descobrindo a sua essência generosa que a levara a fundar o Banco Alimentar Contra a Fome de Setúbal, que liderou.

A mesma natureza fiel a si própria e preocupada com os outros encontrei em Maria Cavaco Silva. Estávamos em 15 de Maio de 2006. Numa sala do Hotel Pestana Palace decorria o jantar da 6.ª edição do Prémio Mulher Activa, que anualmente distingue as mulheres que dedicam a sua vida a fazer o bem. Aníbal Cavaco Silva tomara posse como 19º Presidente da República Portuguesa em 9 de Março de 2006 e este era o primeiro prémio promovido por aquela revista presidido por Maria Cavaco Silva. Quando subiu, segura, ao palanque, Maria não podia sentir a desconfiança que reinava nalgumas mesas, pois as fracturas eleitorais estavam nessa altura ainda muito expostas. A sala estava como que dividida em duas facções, os soaristas e os cavaquistas (apesar de Aníbal Cavaco Silva ter sido eleito à primeira volta com 50,6% dos votos). Maria Cavaco Silva discursou com autenticidade, com graça e com o saber acumulado por quem deu muitas aulas de Literatura Portuguesa a universitários. Não lhe foi difícil dar a volta. Conquistou toda a gente com a sua simplicidade e naturalidade. No final arrebatava uma sentida salva de palmas e eu acabara de descobrir outra mulher autêntica, sem artifícios.

Cristina Amaro era jornalista da Exame quando eu desempenhava funções de editora-chefe das revistas Executive Digest e Executiva. Apesar de nos cruzarmos na empresa em que ambas trabalhávamos, a agora designada Impresa Publishing, só nos conhecemos quando frequentámos o mesmo Programa Avançado de Marketing para Executivos, na Universidade Católica, em 1999. Anos mais tarde, estabelecemos uma parceria entre as marcas Exame e Imagens de Marca. Na qualidade de responsáveis por cada uma delas fizemos muitas reuniões e fui conhecendo a sua índole lutadora. Soube que, desempregada, Cristina dera a volta à situação criando o seu próprio emprego e o de 14 outras pessoas. Hoje é dona de uma produtora de televisão e tem motivos para se orgulhar por há oitoanos manter no ar o programa Imagens de Marca, uma referência para os profissionais da área do marketing e da publicidade.

No final de Agosto de 2007 recebo um e-mail de uma portuguesa residente em Paris, propondo-se colaborar com a Exame. No dia seguinte, deixou um recado: “Ligou Leonor Baldaque, artista, de Paris. Quer falar contigo”. Depois da nossa conversa, ficou a “correspondente” da Exame em Paris. A sua determinação e persuasão levaram a que conseguisse entrevistas em exclusivo para esta revista portuguesa com os presidentes de empresas como Boucheron, Hermès, Sephora, Veuve Cliquot, Chantal Tomass ou Lacoste. É preciso dizer que a Exame, apesar de ser líder de mercado, não tem a circulação necessária para que um executivo de topo com responsabilidades mundiais por marcas como as citadas decida dispensar uma hora da sua agenda. Mas a cada desafio que lhe lançava, Leonor ultrapassava-o, como aos trabalhos de Hércules.
Quando veio a Lisboa, filmar A Religiosa Portuguesa, em Outubro de 2008, marcámos um encontro para nos conhecermos (“eu sou morena e tenho o cabelo um pouco comprido, abaixo dos ombros”, explicou). Não foi difícil descobri-la. Aguardava-me encostada ao balcão e tinha um je ne sais quoi que tornava impossível não reparar nela. Falámos de Lisboa e de Paris, de cinema e da mala que ambas adoramos e que, por coincidência, leváramos iguais naquele dia. Leonor Baldaque é uma das musas do cineasta Manoel de Oliveira. Tal como as mulheres anteriores fazia coisas extraordinárias.

Muitas vezes venho destes encontros a pensar: há pessoas tão interessantes, com tanto valor, cujas histórias deveriam ser contadas! Eu sentia que os seus feitos, pequenas vitórias à sua escala, mereciam ser partilhados com outros.

Neste blogue prosseguirei a tafera de contar histórias de vida protagonizadas por pessoas invulgares pela sua riqueza interior, notáveis pela sua determinação, inspiradoras pelas suas realizações. Procurarei dar voz a pessoas pouco conhecidas, mas que têm mérito. Aqui vai encontrar exemplos de pessoas que não são espectadoras da sua própria vida - tomam o rumo da sua vida nas suas mãos, não hesitam em  procurar um destino melhor, estabelecendo para si próprias objectivos e padrões de exigência elevados, que perseguem com determinação.

Numa altura em que o marketing pessoal dita o sucesso ou o fracasso, em que se produzem celebridades à velocidade da luz, às vezes por razões incompreensíveis ou que não merecem ser enaltecidas, pretendo com este blogue enaltecer as pessoas ditas "normais", mas que podem servir de inspiração para outras pessoas porque têm qualquer coisa de especial. Ou as pessoas especiais que têm qualquer coisa de normal. Depende da perspectiva.
Isabel Canha