Mulheres excepcionais

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Paixão por um mundo melhor


"As personagens dos meus livros são mulheres fortes e apaixonadas, como Rose Mapendo. Não as invento, não há necessidade disso. Olho em redor e vejo-as em todo o lado", afirma Isabel Allende nesta Conferência TED, em que nos fala também de Wangari Muta Maathai, a primeira africana a ganhar um Prémio Nobel, em 2004, e de outras mulheres excepcionais. 

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Os novos membros do Augusta

Pela primeira vez na sua história, o Clube de Golfe de Augusta irá ter duas mulheres entre os seus membros: a ex-secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleezza Rice, e a investidora financeira Darla Moore. Desde a sua fundação em dezembro de 1932, o selecto clube não teve qualquer mulher como membro, apesar de as senhoras poderem entrar nas instalações e jogar, enquantos convidadas.''Estas mulheres partilham a nossa paixão pelo jogo do golfe e ambas são conhecidas e respeitadas pelos nossos membros'', disse o presidente Billy Payne, em comunicado. 
O debate sobre a entrada feminina remonta pelo menos até 2002, quando Martha Burk liderou protestos à entrada do clube. A polémica reacendeu-se este por ocasião da nomeação de presidente da IBM, Virgínia Rometty, que ao contrário do que era tradição, enquanto presidente de uma empresa patrocinadora do Masters, não foi convidada a ser membros do clube, (veja post de 23 de Abril “Mulher não entra”). 
Claro que, enquanto clube privado, o Atlanta tem a prerrogativa de decidir quem são os seus membros. Mas o Augusta é um clube muito poderoso e influente, onde se encontram os 300 líderes empresariais mais poderosos da América. Como escreveu Stina Sternberg, jornalista e cronista especializada neste desporto, muitos outros clubes não admitem mulheres, mas “tendo de começart por algum lado, temos de considerar o impacto simbólico desta mudança. Este é o Augusta National, o mais público dos clubes privados do mundo”.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A Cosmogirl original

Helen Gurley Brown, eu (à esq.) e Alexandra Belmonte (à dir.)
Helen Gurley Brown morreu a 13 de Agosto, aos 90 anos. O seu desaparecimento tocou-me de forma particular, pois foi uma das mulheres extraordinárias que tive a felicidade de conhecer, ainda que brevemente. 
A sua biografia é conhecida e foi recordada pelos principais meios de comunicação social de todo o mundo por altura do seu falecimento. Em 1965 Helen Gurley Brown pegou numa revista literária moribunda e criou um ícone mundial, a Cosmopolitan, cujo alvo era as cosmogirls: fun, fearless females (mulheres divertidas e destemidas). Três anos antes, por sugestão do marido, o produtor de Hollywood David Brown, escreveu Sex and The Single Girl, em que defendia que as mulheres tinham direito à vida sexual antes do casamento e deveriam apostar numa carreira profissional para serem financeiramente independentes. Em três semanas vendeu 2 milhões de exemplares. Em poucos anos estava publicado em 35 países. O seu lema era: “As boas raparigas vão para o Céu, as más vão para todo o lado”. 
Helen teve um enorme impacto na sociedade de todo o mundo, pois foi uma pioneira da libertação da mulher, embora não tenha agradado aos dois pólos: o conservador que via nela uma ameaça à devoção das mulheres ao casamento e à família; e, no outro extremo, as feministas que consideravam que defendia a submissão da mulher com os seus truques para agradar aos homens ou alguns conselhos para usar atributos sexuais para subir na carreira. 
Em 1997, numa altura em qua a Cosmopolitan vendia já 2,5 milhões de exemplares, passou a direcção da revista a Bonnie Fuller, e passou a desempenhar funções de editora-chefe das edições internacionais da publicação. Conhecia-a em Nova Iorque, em visita de trabalho à editora Hearst, quando assumi funções de directora da Cosmopolitan em Portugal. Foi um breve encontro no final do ano 2000 e um almoço de muita conversa que me deixam recordações muito doces. 
Aguardava-nos (a mim e à Alexandra Belmonte, editora de arte da Impresa) no seu escritório, decorado com tecidos com motivos trigreza e muito cor-de-rosa forte. De pequena estatura e aparência muito frágil, parecia que se ia desconjuntar no segundo seguinte. Mas, apesar dos seus 78 anos, Helen era uma mulher forte e temerária. Tinha uma energia e um gosto pela vida invulgares. Vestia uma mini-saia que evidenciava as suas pernas muito magras. Naquele dia usava umas mules que deixou cair à entrada do restaurante italiano onde fomos almoçar. Os empregados, musculados e solícitos, apressaram-se a baixar-se para lhe calçar os sapatos – fiquei com a ideia que deixara cair os sapatos propositadamente. Comeu uma salada de camarão com as mãos, pois considerava que era mais sexy do que usar os talheres. Ao almoço falou dos temas mais pessoais que se possam imaginar e não se coibiu de fazer perguntas íntimas de forma directa. 
De regresso a Portugal, depois daquela visita recebi uma carta, em que oferecia as suas impressões sobre a revista. Durante todos os anos em que foi responsável pelas edições internacionais da revista, escreveu mensalmente às directoras da Cosmopolitan (actualmente a revista tem 64 edições, é publicada em 35 idiomas e distribuída em mais de cem países): duas a quatro páginas dactilografadas com os seus comentários acerca de cada revista, quase da capa à contra capa. Tinha sempre uma palavra de incentivo e mesmo quando pretendia fazer críticas elas eram lidas como sugestões de melhoria, pois nunca perdia o tom de grande estima, simpatia e cordialidade. Nestas cartas reforçava sempre a ideia de que era óptimo publicarmos artigos de carreira todos os meses e insistia em que as fotografias de moda se deveriam mostrar bem os pormenores das peças de vestuário. 
Helen era a guardiã do posicionamento da revista, que havia que respeitar religiosamente. A oportunidade de trabalhar com um formato internacional, claramente definido, proporcionou-me uma das maiores lições que recebi na minha carreira como editora: não pretender ser tudo para todos. A Cosmopolitan é assumidamente a bíblia das jovens solteiras em todo o mundo e diferencia-se das outras revistas femininas pela devoção às listas com dicas sexuais, conselhos de relacionamento, além da beleza e da moda, com decotes ousados e pernas à mostra. Histórias apimentadas e muitas confissões de leitoras sobre as suas marotices entram em todas as edições. 
Anos depois revi Helen nos encontros internacionais que a revista realizou em Nova Iorque, onde se juntavam as directoras de todo o mundo. Parecíamos delegadas das Nações Unidas: havia representantes do Brasil, da India, da Indonésia, passando pela Rússia ou pela Africa do Sul. Recordo um passeio de barco no rio Hudson, onde Helen dançou sem parar – nunca percebemos como aquela figura frágil se conseguia equilibrar apesar da ondulação. E a entrevista que fez a Woody Allen, seu amigo e um dos convidados para abrilhantar o encontro. 
 Após a sua morte, em comunicado, Frank Bennack, executivo-chefe da Hearst, afirmou: "Helen Gurley Brown era um ícone. A sua fórmula para dar conselhos diretos e honestos sobre relações, carreira profissional e beleza revolucionaram a indústria das revistas." É assim que a recordo: uma mulher singular e uma lenda inspiradora do mundo editorial. 

terça-feira, 24 de julho de 2012

Liderança feminina


Apesar dos avanços recentes, as mulheres ainda estão sub-representadas nos órgãos decisórios das empresas de todo o mundo e em Portugal também. A evolução tem sido lenta, apesar de estarem bem preparadas (com formação adequada) e de o estilo feminino de liderança estar em elevada cotação no mundo empresarial. Esta excessiva valorização da liderança feminina é uma armadilha. A conciliação entre a carreira e a família é um dos principais obstáculos do chamado tecto de vidro. A imposição por via legislativa de quotas para as mulheres pode constituir uma medida temporária para se atingir a desejada paridade.
Este é o abstract do artigo que escrevi a convite da Nova School of Business Education, para a série Applied Knowledge, e que convido a ler em http://www.novaforum.pt/investigacao-e-artigos/applied-knowledge. Basta fazer o registo e terá acesso ao pdf do artigo. Qual a sua opinião sobre este assunto? Concorda com a instituição de quotas?

terça-feira, 26 de junho de 2012

A Ciência é sexy?

Este vídeo foi feito pela União Europeia para promover as carreiras das mulheres em áreas científicas e tecnológicas. A Comissão explicou que o vídeo tinha de falar a linguagem das mulheres para atrair as suas atenções. Claro que um anúncio não pode ser maçador e tem de cativar a atenção. Mas o mundo científico é muito diferente daquele que aqui é retratado, de saltos altos e gloss, em poses glamourosas e de sedução. Organizações feministas, como a norte-americana Catalyst, afirmam que o anúncio perpetua os estereótipos. Para mim, a forma como o anúncio foi feito é, apenas, patético pela sua desadequação. As mulheres, como os homens, não investigam nem desenvolvem qualquer actividade profissional como se fossem para uma festa ou uma produção de moda. Em face de tanta polémica e do coro de críticas, o anúncio foi retirado. No ar encontram-se os testemunhos de mulheres cientistas de diferentes nacionalidades: menos marketing, mais mulheres de carne e osso. Qual a sua opinião?

quarta-feira, 20 de junho de 2012

A liga das extraordinárias

Noorjaham Akbar está na lista
"Toda a mudança carece de um agente". Por isso, a  revista Fast Company elegeu a lista das 60 mulheres extraordinárias e das organizações, com ou sem fins lucrativos, através das quais actuam nas causas que abraçaram. Por ordem alfabética, é encabeçada por Noorjahan Akbar, escritora e co-fundadora da Young Women for Change, que em Julho de 2011 liderou uma marcha em Cabul contra a violência perpetrada na rua contra mulheres e, ao abrigo do projecto Stories to Heal (histórias para curar), está a ensinar as crianças afegãs a usar a escrita criativa como um escape à dura realidade que enfrentam. Por tudo isto, é impossível não gostar de Noorjahan e desta iniciativa da Fast Company! No site da revista pode ficar a conhecer o trabalho desta liga das mulheres extraordinárias.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Heróis do quotidiano

A Coca Cola produziu este anúncio, feito com imagens recolhidas por câmaras de segurança em todo o mundo. Desta vez, não vemos assaltos em bombas de gasoilina, mas antes boas acções, pessoas com valores e com coração que se preocupam com o próximo. Este vídeo deixa-nos mesmo mais bem dispostos, com mais esperança na humanidade. 

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Dar voz a pessoas no silêncio


A fotógrafa Monika Bujaj interessou-se pelas pessoas normais, aquelas que são o rosto do sofrimento, mas não têm voz. Capta imagens com tal sensibilidade que o resultado são autênticas obras de arte. Veja nesta curta conferência Ted as suas impressões sobre o Afeganistão e uma escola secreta para meninas, com 13 mil alunas que correm risco de vida por estudarem.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Homens recrutam homens

“As mulheres ainda são muitas vezes preteridas apenas por serem mulheres, especialmente em cargos de gestão. Tenho consistentemente favorecido os homens em relação às mulheres durante a minha carreira como um recrutador. Um homem não engravida e não vai amamentar filhos. As mulheres com filhos já têm um trabalho de tempo integral. Portanto, elas muitas vezes são excluídas na disputa pelas posições de topo numa empresa. É muito caro nomear um gestor ‘não confiável’ que pode não estar lá todos os dias.” Lars Einar Engström, psicólogo e senior partner da consultora sueca Edcolby AB, fez o mea culpa e expôs a discriminação das mulheres que é feita durante o recrutamento no mais recente post do seu blogue na MARC (que pode ler aqui). A MARC - Men Advocating Real Change, é uma comunidade on line de profissionais empenhados em atingir a igualdade no trabalho, da iniciativa da Catalyst, organização não lucrativa com a missão de aumentar as oportunidades para as mulheres. 
Esta realidade não é desconhecida. Soledade Carvalho Duarte, managing partner da empresa de executive search (pesquisa directa de quadros) Invesco/Transearch, que entrevistei para o livro As Mulheres Normais Têm Qualquer Coisa de Excepcional, contou-me: “Infelizmente, para lugares de gestão, as empresas pedem-me preferencialmente um homem. Perante dois candidatos muito bons, só é escolhida a mulher se for outstanding (é esta a expressão usada pelos meus clientes), isto é, claramente melhor do que os homens. Dizem que se corre o risco de, pelas suas responsabilidades extra-profissionais, as senhoras não se poderem dedicar tanto à empresa.” E em entrevista à revista Máxima (suplemento Mulher de negócios, 5 de Novembro de 2011) Trina Gordon, a única mulher a presidir a um grupo mundial de executive search, a Boyden, também conta que alguns clientes costumam indicar se querem um homem ou uma mulher para o lugar. 
Mesmo depois de ultrapassada a fase de admissão, as dificuldades persistem. Os processos oficiais de promoção dependem da rede de apoios que se consegue mobilizar. Como a mulher está em minoria nestas esferas de decisão, as redes informais mobilizadas e os apoios são mais escassos. Para a lógica empresarial não há, ou não deveria haver, homens ou mulheres, louras ou morenas, brancos ou pretos – mas apenas profissionais. Penso que todos acreditamos que a melhor pessoa é aquela que deve ser a que é recrutada ou promovida, sem considerações de género, raça ou qualquer outro atributo que possa ser discriminatório. Até porque na diversidade está a virtude. Só falta agir de acordo com aquilo que se diz. 

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Assuma o controlo do seu dinheiro

Susana Albuquerque: O dinheiro é a segunda
causa de divórcios em Portugal"
Licenciada em Direito, com especialização em Direito Financeiro, Susana Albuquerque, de 42 anos, é secretária geral da ASFAC, associação que representa o sector do financiamento especializado. Conferencista nacional e internacionalmente na área da educação financeira, desenvolve programas de formação, aconselhamento e coaching nas áreas da educação financeira e gestão de finanças pessoais. E, como tem formação em teatro, também actua nas áreas de desenvolvimento criativo e expressão dramática. Pode conhecê-la, também, através das suas rubricas nos programas da SIC Mulher: “Afinal de contas” “Contas à Vida” e “Contas em Dia”, nos programas Essência, Mundo das Mulheres e Mais Mulher, entre outros programas da RTP e TVI onde participa como especialista na gestão de finanças pessoais. Em 2011 lançou o seu primeiro livro em Portugal, na área da gestão de finanças pessoais: Independência Financeira para Mulheres, com o objectivo de “partihar com as mulheres portuguesas as ferramentas, instrumentos e técnicas que fui estudando e aplicando para construir a minha autonomia e segurança financeira.” 
Nesta conversa, Susana Albuquerque explica por que razão as mulheres são tão avessas a assumir as rédeas da gestão do seu próprio dinheiro: “É como se independência financeira pudesse ser fosse sinónimo de solidão. Quando a questão é exactamente a oposta.”
Por que razão decidiu escrever um livro de finanças pessoais, especificamente dirigido a mulheres? 
Porque da minha experiência como formadora e coach nas áreas da educação financeira e finanças pessoais, as mulheres assumem mais que sentem falta de informação e formação neste domínio do que os homens. 
Por que é que as mulheres receiam assumir o controlo do seu próprio dinheiro?
Por uma série de razões de natureza antropológica, cultural e mesmo histórica a que duas psicólogas americanas (Mellan e Christie) chamaram os mitos femininos em relação ao dinheiro, que analiso no meu livro, e que se podem resumir ao medo de perderem o seu companheiro ou perderem a hipótese de terem um, caso assumam controlo pleno da sua situação financeira. É como se independência financeira pudesse ser fosse sinónimo de solidão. Quando a questão é exactamente a oposta: ao ser financeiramente independente eu crio as condições para ter relacionamentos afectivos de maior qualidade, para fazer escolhas mais livres em relação ao meu trabalho, etc. 
Quais são os outros erros normalmente cometido pelas mulheres na gestão das suas finanças? 
Não fazerem o orçamento mensal ou não respeitarem os seus limites financeiros. De notar que estes erros são comuns aos erros financeiros cometidos pelos homens, mas as mulheres assumem-nos com mais facilidade.
Qual a regra de ouro no investimento financeiro?
Ser conservador e nunca arriscar mais do que 10% da sua reserva financeira em produtos com risco de perda de capital.
O dinheiro é uma fonte discussão entre os casais? Quais as principais razões? 
Sim infelizmente o dinheiro é uma fonte de discussão entre os casais e é a segunda causa de divórcios em Portugal, porque por um lado o dinheiro ainda está associado a poder e controlo e é usado dessa forma muitas vezes, sem que os casais tenham consciência disso, e, por outro lado, cada membro do casal tem valores diferentes em relação à gestão do dinheiro e não aprenderam a comunicar reconhecendo e respeitando os seus próprios valores e os do outro.
Que principais conselhos dá aos pais acerca da educação financeira dos seus filhos?
Que iniciem a educação financeira dos seus filhos com o objectivo de os ensinarem a ser financeiramente auto-suficientes, e que o façam o mais tardar por volta dos 5, 6 anos, introduzindo a partir dessa idade as semanadas, pois são a melhor forma de ensinar as crianças a fazerem e gerirem um orçamento. Para esse efeito, pode ser necessário os pais fazerem formação ou recolherem informação especializada, existente em livros e sites, para poderem tornar eficaz a comunicação e os objectivos da educação financeira dos seus filhos.
Com o sucesso profissional das mulheres, muitas ganham mais do que o marido. Como é que os homens lidam com este facto? Que conselhos deixa aos homens e às mulheres nesta situação?
Nem sempre os homens lidam bem com este facto e na minha opinião, exactamente pela mesma ordem de razões pela qual muitas mulheres temem assumir o controlo do seu dinheiro. Da minha experiência neste tipo de casos, a melhor forma de lidar com esta situação é por em prática aquilo que todos os casais deveriam fazer para construir uma relação saudável com o dinheiro: falarem abertamente sobre esse desconforto, ou sobre aquilo que sentem dado o desequilibro da situação, e que o façam numa hora por semana, ou por mês, que é reservada para falarem só sobre dinheiro, sobre os objectivos pessoais e do casal para a gestão do mesmo e para fazerem o seu orçamento mensal (garantindo que não serão interrompidos nem por crianças, nem por telefones, etc). Uma fórmula de gestão financeira do casal que é muito eficaz neste tipo de casos é a de que cada um deles contribua para as despesas comuns na proporção daquilo que ganham.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Vestidas para vencer

Fernanda Machado, directora-executiva
 da Dress for Success Lisboa
Fernanda Machado, de 36 anos, directora-geral da sua própria microempresa de organização de eventos, a Pé d’Ideias, define-se como uma “mulher normal com uma família excepcional e compreensiva, composta por dois filhos (uma menina de 14 e um rapaz de 10) e um marido fantástico”. Licenciada em Turismo, conta já com 13 anos de carreira profissional desempenhando funções de guia intérprete oficial, técnica de turismo, key account manager e directora de marketing e vendas. 
Fundou e dirige a Dress for Success em Lisboa, uma instituição sem fins lucrativos de origem norte-americana que tem como missão ajudar mulheres sem recursos económicos a vestirem-se de forma adequada a conquistarem um emprego, quebrando o círculo: sem um emprego, como posso comprar um fato? Sem um fato, como posso conseguir um emprego? 

O que é a Dress for Success?
Dress For Success Lisboa é uma organização sem fins lucrativos que oferece serviços para ajudar as nossas clientes a entrarem no mercado de trabalho e permanecerem no emprego.
De que forma, na prática, a Dress for Success ajuda as mulheres?
A instituição recebe roupas adequadas a uma entrevista de emprego, que nos são doadas por parceiros empresariais ou privados – roupas em segunda mão, quase novas e novas. Cada cliente da Dress For Sucess Lisboa recebe um conjunto de roupas adequadas a uma entrevista de emprego. Ao conseguir o emprego, a Dress for Success dá ainda à mulher um enxoval de vestuário completo para que possa estar sempre à altura dos desafios do seu trabalho. O Programa de Grupo de Mulheres Profissionais fornece apoio contínuo para ajudar a cliente a construir uma carreira de sucesso.
Como conheceu a instituição e o que a levou a lançá-la em Portugal? 
Sempre tive imenso gosto em ajudar os outros, e sempre o fiz de forma directa e pessoal. Como não me identificava com nenhuma instituição em especial e o meu bichinho solidário foi crescendo, fiquei à espera... Até que um dia uma pequena reportagem sobre a Dress for Success no famoso programa da Oprah Winfrey (uma das madrinha do projecto nos Estados Unidos da América) acordou o meu interior solidário e finalmente encontrei algo empreendedor e de ajuda directa com um público bastante sensibilizado com todas estas questões da crise: o feminino.
A minha primeira reacção foi entrar em contacto com a instituição em Portugal, doar roupa e candidatar-me como voluntária. Para minha surpresa, descobri que a instituição não existia em Portugal. Pus mãos à obra e candidatei-me para trazer o projecto. Após cerca de 18 meses de exaustivo trabalho e a passagem por várias etapas que me foram levando a outro e outro nível, a 24 de Maio de 2011 fui informada que a minha candidatura fora aceite. Foi o máximo da felicidade. Nem queria acreditar que tinha conseguido realizar o meu sonho de ajudar as mulheres a melhorarem o seu nível de vida profissional e familiar.
De que forma decorreu o processo e que obstáculos encontrou?
A candidatura passou por fases: apresentação do projecto de viabilidade financeira (com todos os requisitos indicados), plano de marketing, plano de comunicação e relações públicas, e angariação de voluntários. O primeiro ano é o mais difícil, pois todos trabalhamos como voluntários, e para demonstrar que a comunidade local e empresarial abraçou a ideia, tenho de apresentar despesas o mais próximas possível dos zero euros, e angariar fundos para que no ano seguintes nos possamos profissionalizar.
Obstáculos financeiros, e de estabelecimento de relações de parcerias com entidades institucionais, corporativas e locais… os obstáculos têm sido alguns, tendo em conta que estamos num ano difícil para a implementação de novos projectos. No entanto este é o momento fulcral para a chegada da Dress for Success a Portugal. Foi fundamental o apoio da Junta de Freguesia de S. José que nos cedeu um espaço gratuitamente, assim como a ajuda do grupo dos voluntários para a implementação do projecto.
Qual o balanço destes meses de actividade? 
Ajudámos a primeira mulher no início de Janeiro, quando ainda não tínhamos aberto portas. Oficialmente abrimos a 30 de Janeiro No meio das obras de remodelação do espaço e de caixotes com roupa, surge uma jovem a pedir ajuda. Uma jovem com poucos recursos financeiros que precisava de roupa apropriada para uma entrevista e não tinha como a adquirir. Claro que ajudámos: as portas da Dress estão sempre abertas para quem precisa da nossa ajuda.
À data de hoje já recolhemos quase 2500 peças. Recebemos roupas a título individual e pessoal, mas grande parte vem de acções realizadas dentro das seguintes empresas: CGD, Embaixada dos EUA, e CitiBank. Estão agendadas para os próximos dois meses recolha de roupa na Galp Energia e na Accenture.
Ainda não temos mecenas. É uma das peças fundamentais do crescimento do projecto em que estamos a trabalhar. Contamos que mulheres em postos de chefia nas áreas da solidariedade social, marketing e comunicação convençam as suas empresas da importância da nossa instituição e da oportunidade de relação com uma ONG internacional que pretende combater um dos maiores problemas dos dias de hoje: o desemprego.
Neste período quantas pessoas já ajudaram? 
Vestimos 48 mulheres, 35% das quais ingressaram no mercado de trabalho. E 40% voltaram a nós para receber mais roupas e continuar a apresentar-se ao trabalho. Maioritariamente estas mulheres são mães solteiras, com idades entre os 26-45 anos de idade, com imensas dificuldades financeiras e com muita vontade de trabalhar.
Para serem ajudadas, estas mulheres têm de estar activamente à procura de emprego e podem vir reencaminhadas pelos nossos parceiros: Fundação Aga Khan, Pressley Ridge, IEFP, Centros de Emprego, Juntas de Freguesia, Projecto Reklusa, Oblatas, Acidi, Triangulu, entre outros. Caso as mulheres venham directamente à Dress, têm de comprovar a existência de uma entrevista de emprego.
Por que chamam clientes às pessoas que ajudam?
Na realidade esta é a nomenclatura norte-americana.  Queremos que as nossas mulheres se vejam como clientes, que entram numa loja e adquirem roupa. A diferenca é que não têm de pagar nada. Não queremos passar a ideia do "pobrezinho".
Não cuidam apenas da imagem, pois ministram um Programa de Crescimento Profissional. Em que consiste?
Numa segunda fase as mulheres inserem-se no Programa de Crescimento Profissional (Professional Woman's Group). Oferecemos formação, por forma a que estas mulheres possam manter o seu posto de trabalho, crescer no mercado de trabalho. Damos ferramentas em consultoria de imagem e guarda-roupa, gestão do tempo, como gerir o seu dinheiro, como se manter em forma, o que são os recursos humanos de uma empresa, o que é uma hierarquia, formação em programas computadores, a internet como ferramenta de trabalho, entre outros. Os formadores são voluntários, que consoante a área da formação, são enviados pelos nossos parceiros.
Espera-se que as mulheres ajudadas pela Dress for Success retribuam a instituição no futuro? 
Não esperamos nada destas mulheres, a não ser o sucesso no futuro. Mas na verdade as nossas mulheres são extremamente solidárias. É rara a mulher que vem ter connosco e que não diga: "Gostava de ser voluntária da DFS, como posso ajudar as outras mulheres?" E contaremos com algumas delas um pouco mais à frente.

Mais informações aqui.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

O clube onde mulher não entra


O célebre casaco verde com a imagem do clube

Três meses depois de chegar à presidência da IBM, uma das maiores companhias americanas, Virginia (Ginni) Rometty descobriu que, afinal, ainda não conseguiu quebrar o tecto de vidro. Tradicionalmente o Augusta National Golf Club admite como membros homorários os presidentes executivos dos principais patrocinadores televisivos do torneio US Masters, o principal torneio de golfe. Mas ao contrário do que aconteceu com os seus três antecessores, a Virginia Rometty não propuseram a admissão ao clube – porque é mulher. O Augusta National Golf Club é um clube exclusivamente masculino, em que só em 1990 um afro-americano foi admitido.
Claro que qualquer clube privado, dir-me-ão, tem a prerrogativa de decidir (bem ou mal) quem são os seus membros. Mas esta visão é antiquada e perigosa: mulheres não entram; judeus são expulsos; negros à parte - já vimos isto na história e o resultado foi sempre condenável. É que não falamos do mesmo que um homem ver recusada a entrada num ginásio VivaFit ou numa associação de empresárias. O Augusta é um clube muito poderoso e influente. Um clube que recusa que as mulheres, mesmo as presidentes das maiores empresas americanas, tenham acesso à rede de contactos que se fazem quando os 300 líderes empresariais mais poderosos da América se reúnem nos seus greens.
Durante o torneio, que terminou a 8 de Abril, o presidente do clube, Billy Payne foi bombardeado por jornalistas questionando a possível admissão de uma mulher e sempre se recusaou a responder, reiterando que a política do clube é não discutir publicamente as admissões. Mais de 1/3 das 24 questões colocadas na conferência de imprensa de meia hora diziam respeito a esse assunto (como pode ler no site do clube, aqui). A pressão agigantou-se quando um porta-voz da Casa Branca afirmou que o presidente Barack Obama acredita que as mulheres devem ser admitidas no Clube, no que foi secundado pelo candidato presidencial repuublicano Mitt Romney. Pode ser que a discussão esteja a decorrer nas salas privadas do clube e que venha a acontecer no futuro próximo.
Mas o que causa maior estranheza é que Virginia Rometti, confortavelmente sentada numa pilha de dólares, aceite pacificamente. A executiva e a IBM deveriam manifestar a sua indignação e o seu protesto face a esta situação inadmissível e intolerável. Seria uma oportunidade de lutar, não só por ela mas por todas as mulheres. Afinal, Virginia Rometti não pode deixar de reconhecer que, ela própria, é herdeira do legado de luta e reivindicação de outras mulheres no passado. Perdeu a oportunidade de ficar na história como a primeira mulher membro do clube (que já soma 79 anos) porque lutou por isso. Afinal, Virginia Rometti até joga golfe.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Tertúlia no Casino

Debates no casino é uma boa idea do Casino da Figueira da Foz, que nos remete para as Conferências do Casino, de que surgiu a Geração de 70 (Eça de Queirós, Antero de Quental, etc.). O casino do grupo Amorim está a dedicar o mês de Março à Mulher e a 21, pelas 22 horas, promove a tertúlia "As mulheres normais têm qualquer coisa de excepcional", com base no livro que escrevi e a que dou continuidade neste blogue. Numa mesa redonda, moderada por Marta Atalaya, jornalista da Sic Notícias, estarei à conversa com duas das biografadas no livro: Soledade Carvalho Duarte, managing partner da Invesco Transearch, e Cristina Amaro, fundadora e apresentadora do programa "Imagens de Marca", da Sic Notícias.

Encontra o press release da Lusa aqui, com mais informações.

domingo, 11 de março de 2012

A viagem a Calcutá

Maria do Carmo Alvares em Calcutá, em Fevereiro de 2012
Mãe, de quatro filhos (de 22, 19, 13 e 9 anos), Maria do Carmo Alvares comprou dois bilhetes de avião e em Fevereiro partiu com a filha mais velha para Calcutá para durante duas semanas trabalharem como voluntárias nas Missionárias da Caridade, a instituição criada por madre Teresa. Era um chamamento a que sentia ter de responder. No regresso percebeu porquê.


Quando conheceu a Índia?
Há quase sete anos, eu era a única de um grupo de amigos que não queria ir à India – não queria ver miséria, pobreza... O meu marido é descendente de goeses (o meu sogro nasceu lá) e eu só queria ir a Goa porque sabia que era mais leve.
Comecei por descobrir a espiritualidade dos indianos na subida do Ganges, em Varanasi, que representa desde o nascimento até à pira da morte, que está no Norte, com todas as correntezas, que são as dificuldades que vamos encontrando. O nascer do sol a bater nos Ghats [escadarias que dão para o rio Ganges], os lençóis lavados e estendidos pelos homens, as pessoas a lavarem-se naquela água que apesar de ser imunda para eles é pura – tudo aquilo começou-me logo a fascinar. 
Fizémos o Rajastão todo, fomos a Deli, Bombaim e comecei-me a apaixonar por aquele povo. Tudo me atraía: a lixeira, o olhar profundo, aquele sorriso, as cores dos saris, a loucura de se transportarem em motas que podiam levar cinco pessoas e um colchão. Eu dirigia-me a todas as crianças e a todos os velhos. Sentia que tinha ali uma missão. Demorou uns anos a compreender qual. Aliado a isto, a obra da madre Teresa sempre me fascinou porque ela foi buscar o mais pobre dos pobres. Durante anos eu sentia que tinha de voltar à India, que a India me chamava.
Por que levou a sua filha consigo?
A minha filha, de 22 anos, também quis ir. Achei que lhe ia fazer bem, ver outras realidades e que nos iriamos ajudar mutuamente. E em Fevereiro fomos as duas.
Já conhecia o trabalho das Missionárias da Caridade? 
Já tinha visitado o centro das Missionárias da Caridade em Lisboa, em Chelas, de idosos. Há outro em Setúbal, para crianças deficientes, que visitei em Dezembro. Estive bastante tempo a falar com a irmã Chris, que é escocesa. Estava tudo muito arranjadinho; as camaratas das meninas tinham sido alvo de uma remodelação pelo programa da SIC “Querido mudei a casa”.
Eu andei num colégio de freiras, trabalho [em voluntariado] no Movimento Apostólico de Schoenstatt [movimento apostólico mariano fundado em 1914], por isso também lido com padres, com irmãs, mas ali encontrei uma paz diferente. 
Como conseguiu trabalhar nas Missionárias da Caridade em Calcutá?
É fácil. Basta dirigir-se à casa-mãe, às segundas, quartas e sextas. Às 3 da tarde há a inscrição dos voluntários. Eu cheguei a uma quinta-feira a Calcutá, que é o dia de folga na instituição. O nosso hotel era ao pé da casa-mãe da instituição. Na sexta dirigi-me lá e disse que me queria inscrever. Levaram-me para outro centro, onde fiquei a trabalhar. Pode-se escolher a língua em que se quer receber a informação acerca do funcionamento e eu escolhi o inglês. Falámos com a sister Mercy Mary, que é a responsável pelo voluntariado, e ela perguntou-nos qual o centro para onde queríamos ir. Fizemos a entrevista juntas; acharam muita graça sermos mãe e filha, porque não é usual nos voluntários. Também não é usual as pessoas das minha idade fazerem voluntariado – a maior parte tem entre 18 e 30 e poucos anos. Pedimos para ficar com as crianças deficientes. E no sábado começámos a trabalhar.
Como eram os seus dias de trabalho?
Cuidava das crianças. Entravamos às oito. Havia missa às seis da manhã, para quem quisesse. Depois tínhamos o pequeno-almoço dos voluntários: chai [chá com leite e especiarias], umas fatias de pão sem nada e uma banana, que foi diminuindo de tamanho. Depois cada um partia para o seu centro. Começávamos com a oração do voluntário, uma Ave-maria com a irmã, descalçávamo-nos e escolhíamos uma criança, todos os dias uma diferente. Víamos o dossiê, para saber o que era melhor fazer com ela, a que reagia melhor, o que podíamos fazer fisicamente com ela. Dávamos o pequeno-almoço, o almoço (o que podia demorar bastante tempo), mudávamos as fraldas, deitávamos as crianças nas caminhas… Trabalhávamos como nos tinham ensinado.
Havia o intervalo das voluntárias, que era passado num dos três terraços, onde estendiam as roupas das crianças. Ali estávamos a tomar chai e algumas bolachas, com voluntários de todas as nacionalidades: conversávamos acerca do que as levou ali, o que fazem nos seus países, o que pensam fazer futuramente. É muito feio ter inveja, mas eu tinha inveja daquelas que diziam que já lá estavam há um mês e iam ficar mais três. 
Não fez turismo?
Foi sempre a trabalhar. Passeámos um pouco, mas Calcutá também não tem muito para ver. Na quinta-feira, que é folga, fomos visitar um centro de leprosos. O nosso hotel era em Bose Road, que é o bairro dos voluntários. Íamos ao Spanish Café, onde se encontram os voluntários todos. 
Pensa que valeu a pena, do ponto de vista da instituição, só aqueles quinze dias? 
A pessoa que vai a seguir, vai prosseguir o trabalho que eu fiz. O amor que eu dei há de ser diferente do amor da pessoa que vem a seguir, mas há amor. O que interessa é que nos demos e demos o melhor que temos em nós.
O seu filho perguntou-lhe por que, em vez de partir, não doava o dinheiro das viagens a essa instituição. Faço-lhe a mesma pergunta.
Claro que o dinheiro é importante, mas mais importante é o que nós recebemos desde pequenos e isso não adquirimos com dinheiro, mas com o amor que recebemos dos que nos rodeiam! E é claro que tenho intenção de ir trabalhar com as Missionárias da Caridade em Setubal!
Emocionalmente, não lhe foi difícil lidar com essa realidade?
Consigo-me distanciar. Fiquei tão feliz, tão feliz, de encontrar uma instituição que vai buscar estas pessoas às ruas, que nunca senti tristeza, ou horror, mas sempre um amor tão grande, que nem me chocava a realidade com que lidava. Ao fim de uma semana cheguei à conclusão que o meu maior choque foi pensar que me podia ter chocado com alguma coisa. Chorei várias vezes de emoção, por estar ali e me dar completamente naqueles 15 dias. 
É muito enriquecedor para nós e para as crianças, conseguir pequenas vitórias, como as crianças baterem as palmas ou dizerem adeus. Como uma miúda que quando chegámos nem se quer se ria, não conseguia fixar os olhos em nós, e uma semana depois já fazia barulhinhos de excitação. Acordava cheia de vontade de estar novamente com as crianças. Tenho pena de não poder lá ficar 3, 4 ou 5 meses. 
Que experiência mais a marcou?
A experiência mais forte foi a visita ao centro de leprosos num bairro fora da cidade, muito mais pobre do que Calcutá. Era uma casa muito limpa. Fomos visitar as camaratas dos homens e das mulheres. Estavam sentados nas camas, não se escondiam, uns só com um coto, outros sem dedos nas mãos ou nos pés, ou com os dedos atrofiados, havia rostos desfigurados e, no entanto, aceitando a sua vida, o seu karma, com muita serenidade e dignidade. Os olhos brilhantes, o sorriso até às orelhas, saudando-nos com as mãos juntas: namasté. Aquilo foi uma pancada tão forte no meu coração, que desatei num choro. Agradeci imensamente a Deus por ter enviado uma Madre Teresa, uma santa na terra. Só espero que esta obra continue por centenas de anos. 
E a experiência mais penosa?
Todas as recordações são boas.
Que ensinamentos trouxe consigo?
Quando cheguei até o barulho das ruas de Calcutá me fazia falta. O silêncio de Lisboa é que era ensurdecedor. Senti que me tornei uma criança e que qualquer pessoa que passava por mim me dava uma lição: pode-se ser feliz sem nada. Por que é que a India me chamava? Só desta segunda vez, quando regressei a Portugal, percebi o porquê do chamamento da Índia. Onde consegui encontrar uma paz diferente foi na Índia, em Calcutá. Há uma frase do Steve Jobs [fundador da Apple] que é: “cada sonho que você deixa para trás é um pedaço do seu futuro que deixa de existir.” Eu tive mesmo de realizar este sonho, para o meu bem, para o bem daqueles que me rodeiam, para o meu futuro, pois vim mais calma. Hoje tenho mais serenidade para aceitar mais as coisas, não dar importância a coisas sem importância. 
Vai voltar?
Tenho um lema de vida que é: tudo para todos. Às vezes fico cansada comigo própria porque tudo o que me pedem eu não digo que não, quero corresponder a tudo. O que senti na Índia e naquela instituição é que eu dei, mas recebi tanto mais! Vemos as crianças a brincarem com o que têm, as pedras ou um vitelinho que enfeitam com missangas, e são felizes. 
É uma lição de vida todos os dias. Porque não há tristeza, não há rancor, não há ódio, só há amor, só amor. Consegui realizar o sonho que tinha e ficou-me o bichinho. É para voltar em Fevereiro do próximo ano.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Por que é Dia da Mulher?

O dia 8 de Março é dedicado à comemoração do Dia Internacional da Mulher. Porquê este dia? 

A proposta de instituição surgiu de Clara Zetkin (1857-1933), membro do Partido Comunista Alemão que militava junto ao movimento operário e se dedicava à causa feminina, durante o Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhaga, em 1910. A proposta visava homenagear os movimentos pelos direitos das mulheres e reunir apoios para a causa sufragista e foi aceite por unanimidade pelas mais de 100 mulheres de 17 países. Não foi nessa ocasião definida uma data para a evocação. 
No ano seguinte o Dia foi celebrado a 19 de Março. Durante a Primeira Guerra Mundial, as mulheres russas manifestaram-se no último domingo de Fevereiro, enquanto no resto da Europa a comemoração ocorreu por volta do dia 8 de Março. E no último domingo de Fevereiro (que no calendário gregoriano recai no dia 8 de Março) de 1917, na Rússia, as mulheres entraram em greve por “Pão e Paz”. Em 1975, no âmbito das Comemorações do Ano Internacional da Mulher, as Nações Unidos começaram a celebrar o 8 de Março como Dia Internacional da Mulher.


Por que razão continuar a assinalar este dia?

Muitas vozes dizem que a existência deste dia é uma menorização do estatuto e do papel das mulheres, numa altura em que ninguém (a começar pela lei) questiona a igualdade. Em grande parte do mundo ocidental, os avanços conseguidos levam a que muitos (sobretudo muitas) se interroguem acerca da necessidade deste dia. A maioria das mulheres empresárias, gestoras, profissionais liberais, em suma, mulheres de carreira, que conheço abominam a carga simbólica que a palavra “feminismo” evoca e rejeitam a ideia de qualquer discriminação positiva. Elas querem ser tratadas como iguais, reconhecidas pelo seu trabalho, não querem ouvir falar em qualquer prerrogativa especial pelo simples facto de serem mulheres. Muitas dirão a velha piada: “eu não sou feminista, sou feminina”. Perante os progressos alcançados, é fácil ridicularizar alguns excessos cometidos. E o movimento feminista sofre hoje desse problema de imagem. 
Para mim, o dia 8 de Março é a oportunidade de recordar a história das conquistas femininas e, também, de chamar a atenção para o que ainda falta caminhar até se atingir a igualdade plena de direitos e deveres e, sobretudo, de oportunidades. A verdade é que, mesmo entre nós, a verdadeira igualdade não foi ainda atingida, pois continua a ser válida e actual a discussão acerca da falta de acesso a cargos de decisão (sejam políticos, sejam empresariais), da discrepância salarial, ou da necessária mudança de mentalidades. Neste cenário, precisamos de um feminismo de nova geração, que reflicta e aja sobre estas questões com ponderação e sem os tiques excessivos do feminismo, que antagonizava ou excluía os homens. Porque o feminismo que não inclua a discussão acerca dos desafios enfrentados pelos homens no novo papel que lhes é exigido está condenado ao fracasso. 
Finalmente, aquele que considero o argumento decisivo. Enquanto em metade do globo as mulheres forem mortas à nascença ou durante a gestação apenas devido ao seu género, violentadas, exploradas sexualmente, desvalorizadas, não tiverem acesso à educação, ou forem as últimas a ser alimentadas, caminharem atrás dos homens, forem impedidas de votar, de trabalhar ou de conduzir um automóvel faz sentido continuar a assinalar este dia.

sexta-feira, 2 de março de 2012

2 de Março: hoje é o dia!

Para ganhar o mesmo que os homens, as mulheres têm de trabalhar durante mais dois meses e hoje é o dia em que atingem esse período extra, necessário para compensar a diferença salarial. Por isso, a União Europeia escolheu a data para assinalar o Dia Europeu da Igualdade Salarial.
Em Portugal, a discrepância entre a remuneração média de homens e mulheres chega aos 21%, segundo os dados da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE). O salário médio mensal das mulheres é de 831 euros. O dos homens sobre para 1224 euros. Outro dado que coloca em evidência a discriminação salarial: há duas vezes mais mulheres a ganhar o salário mínimo ou menos do que homens.
Ao contrário do que se poderia pensar, a desigualdade é tanto maior quanto mais elevado é o nível de qualificação: as trabalhadoras com o 3.º ciclo do ensino básico ganham menos 20%, enquanto que as que têm formação superior ganham menos 31%. A explicação provável: de forma geral, as mulheres estão menos disponíveis para aceitar cargos de chefia, para trabalhar horas extra ou para viajar com frequência, pois são elas quem continua a assegurar os cuidados dos filhos e da casa. A diferença, mais tarde, perpetua-se nas pensões por reforma.

Para saber mais, entre no site do CITE, ou no da Comissão Europeia.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

“Pense grande”




“Não investimos em vítimas, investimos em sobreviventes. E seja grande ou pequena, a narrativa da vítima define a forma como vemos as mulheres”, afirma Gayle Tzemach Lemmon nesta conferência TEDxWomen.  Para esta jornalista que tem feito importantes reportagens sobre o empreendedorismo feminino em vários pontos do mundo, as mulheres empreendedoras, - que lançam negócios com que se sustentam, sustentam a família e, por vezes, a comunidade em seu redor - são a solução negligenciada para o desenvolvimento económico. Por que razão as mulheres só conseguem micro-créditos, interroga. “As mulheres não podem continuar a ser, ao mesmo tempo, metade da população e um grupo de interesse especial.” 

Para Gayle Tzemach Lemmon estas mulheres são um exemplo a ser seguido e não devem ser consideradas como uma excepção. “Quando falamos de homens que estão a ter sucesso, consideramo-los, correctamente, como ícones, pioneiros ou inovadores a serem seguidos. E quando falamos de mulheres ou são excepções a serem desconsideradas ou aberrações a ser ignoradas.”

domingo, 19 de fevereiro de 2012

A inspiradora história de Tererai Trent

Tererai Trent no programa de Oprah Winfrey,
que classificou a sua história como "incrível"
Tererai Trent nasceu numa aldeia do Zimbábue. Vivia pobremente numa cabana, sem água corrente ou luz eléctrica. Em criança, só queria estudar, mas essa era uma oportunidade apenas concedida a rapazes. Tererai chorava, implorava ao pai: “só um dia na escola”, mas as suas súplicas de nada serviam. 

Aprendeu a ler e a escrever através dos livros do irmão e era ela quem lhe fazia os trabalhos de casa. A professora rapidamente descobriu e, reconhecendo as suas aptidões, pediu ao pai que a deixasse frequentar as aulas. A alegria da pequena durou poucos meses, pois aos 11 anos, o pai casou-a. Aos 18 anos, Tererai já era mãe de três filhos. O marido batia-lhe quando ela dizia que queria estudar. 

Em 1991 Jo Luck , presidente executiva da organização Heifer International visitou a aldeia. Perguntou às mulheres: “quais as vossas esperanças, quais os vossos sonhos?" Tererai recorda-se nitidamente da reposta: “O meu nome é Tererai e quero ir para a América, para estudar”. 

“Ela olhou para mim e disse: 'se desejas essas coisas, podes alcançá-las’. A mãe de Tererai disse-lhe que escrevesse os seus sonhos e os enterrasse, pois se realmente acreditasse neles, eles cresceriam cada vez mais. Que cobrisse esses sonhos com uma pedra, pois essa pedra chamá-la-ia, onde quer que estivesse no mundo. “ Serás a última pessoa, a que quebrará este círculo de pobreza”, disse-lhe a mãe. 

Passo a passo, Tererai cumpriu quatro dos seus sonhos. Em 1998 mudou-se para Oklahoma com o marido e os cinco filhos. Três anos depois, tirava a licenciatura em Agricultura (via de ensino). Obteve o mestrado; em 2003, no mesmo ano em que marido foi deportado por agressão. Em Dezembro de 2009, concluía o seu doutoramento! 

Hoje Tererai é, por seu turno, uma fonte de inspiração para toda a sua aldeia, que está a ajudar a desenvolver através da construção de uma escola. A história de Tererai Trent prova como uma pessoa, que parece condenada a um destino, pode mudar a sua vida. Mostra como Jo luck semeou o sonho e a esperança que ajudaram Tererai a mudar a sua vida.Exemplifica como a educação das mulheres é uma forma de as libertar da miséria e da opressão.

Veja a reportagem do programa Oprah, que a incluiu na série Oprah's All-Time Favorite Guest Revealed!, clicando aqui.

No programa Oprah Winfrey anunciou o donativo de 1,5 milhões de dólares que a sua fundação entregaria à Save the Children, para reconstruir a escola primária da aldeia de Tererai. Veja aqui o vídeo com a surpresa que ajuda Tererai a concretizar o seu sonho de assegurar educação de qualidade ás milhares de crianças da sua aldeia, entrando aqui.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Mariane Pearl em busca de esperança

Em 2002 Daniel Pearl, repórter do The Wall Street Journal, encontrava-se em Karachi, no Paquistão, a investigar pistas sobre os atentados terroristas do World Trade Centre, quando foi sequestrado por extremistas da Al-Quaeda. 

Quando o marido foi raptado, a sua mulher, Mariane Pearl, estava grávida de seis meses. Não é difícil imaginar a sua preocupação e revolta. Mas Mariane agarrou-se à esperança de que as investigações produzissem efeito e, intrépida, tentou tudo para salvar o marido. A angústia e o desespero alternavam com a força, numa corrida contra o tempo, para tentar localizar Daniel. Infelizmente, todos os esforços se revelariam inúteis. Daniel foi decapitado frente a uma câmara de televisão, para divulgação em todo o mundo. 

Mariane fez o luto escrevendo a história da sua investigação. O resultado é A Mighty Heart, a chocante narrativa que em 2007 foi levado ao grande ecrã (Um Coração Poderoso), com a Angelina Jolie no papel de Mariane. 

Capa do livro de Mariane Pearl

Em 2007, Mariane Pearl regressou com In Search of Hope. Este livro perfila mulheres profundamente optimistas e verdadeiramente extraordinárias que Mariane descobriu em diferentes pontos do planeta. Estas mulheres mudam a vida de outras pessoas e melhoram o mundo em que vivemos. Fazem a diferença. Perante a exploração, a brutalidade, o ódio, elas respondem com a bondade e a compaixão. 

O primeiro capítulo é dedicado à cambojana Somali Mam, que em criança foi vendida para a prostituição, e hoje dedica a sua vida a salvar outras crianças que são mantidas como escravas sexuais. Segue-se as damas de branco, de Cuba: mães, mulheres, irmãs, filhas de 75 presos políticos. Há a jornalista mexicana Lydia Cacho que denunciou a ligação do poder local à pedofilia em Cancun, no México, o país mais perigoso para os jornalistas no hemisfério Norte. Fica-se a conhecer uma empregada de limpeza marroquina em Paris, que escreveu Prière à La Lune - a lua é a sua companheira, a quem descreve as dificuldades de tentar assimilar a sociedade francesa, mantendo-se fiel à sua herança cultural, navegando entre dois mundos. No total são 12 as mulheres retratadas. Se incluirmos a autora, que nos vai revelando alguns aspectos da sua biografia, são 13 as mulheres excepcionais reunidas na reportagem desta viagem geográfica e espiritual de Mariane Pearl. 

Com esta obra, que reúne os textos originais que publicou na sua coluna na revista Glamour, Mariane quis mostrar que há esperança. A sua crença num mundo melhor deriva das acções destas mulheres. Foi uma gesta profissional e pessoal, pois o seu objectivo é dar esperança ao seu filho. “Precisava mesmo de responder à questão: podemos espalhar a esperança da mesma forma que outros espalham o medo? Que activos temos para fazer isto? Para mim, são estas pessoas”, explicou à Newsweek de 12 de Novembro de 2007. 

In Search of Hope é um livro belíssimo: com boas fotografias e bom grafismo. Mas o melhor é o texto e a sua mensagem reconfortante! 

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Leonor Baldaque e o seu romance de estreia
photo C. Hélie/Gallimard

Quando terminámos as entrevistas para o livro “As Mulheres normais têm qualquer coisa de excepcional”, no final de 2009, Leonor Baldaque, actriz de Manuel de Oliveira, acabara de filmar A Religiosa Portuguesa e levava uma vida simples em Roma, lendo Ovídio e outros clássicos e dedicando-se à escrita. O resultado da sua inquietude cultural surge agora a público: Vita (La Vie Légère), o seu primeiro romance, foi editado pela prestigiada Gallimard e foi lançado em França a 19 de Janeiro.

Vita é a história enigmática de Paul, Vita e Millicent , três primos sem família, que se encontram sozinhos numa casa isolada, próxima de um rio e do mar. Escreveu Le Nouvel Observateur (de 2 a 8 de Fevereiro de 2012): “as palavras de Leonor Baldaque têm uma musicalidade singular, quase hipnótica (percebe-se os ecos de Nathalie Sarraute). Ela abre ao leitor as portas de um mundo estranho, sensual e onírico onde a vida parece ligeira. Mesmo que se sinta, por vezes, que o exercício é um pouco forçado, esta deslocação encanta”.
O livro foi escrito directamente em francês: “Em francês digo o que sinto com as palavras certas. É a língua da liberdade de expressão, das luzes, da idade adulta, em que aprendi a ser eu própria. Foi uma língua que me libertou ”, explicou Leonor Baldaque durante as conversas que tivemos.

Leonor está também de parabéns por, no final de Dezembro de 2011, ter sido distinguida na IV edição do Prémio de Actores de Cinema da Fundação CGA (Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes ou Executantes) 2010, na categoria “Melhor actriz Principal”, pelo seu papel em A Religiosa Portuguesa, do realizador Eugène Green.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

As Mulheres normais têm qualquer coisa de excepcional


Bem-vinda(o) ao blogue "As Mulheres Excepcionais".

Tal como o livro As mulheres normais têm qualquer coisa de excepcional (Bertrand), que editei em 2010, este blogue pretende divulgar retratos de algumas pessoas fortes, singulares e optimistas que me tocaram. Na sua diversidade, as pessoas aqui retratadas ilustram a multiplicidade de gerações, vivências e mentalidades das mulheres em Portugal. Será também um espaço de partilha e reflexão sobre assuntos que tenham que ver com a condição da mulher.


A profissão de jornalista, que exerço há mais de 20 anos, tem-me proporcionado o conhecimento e conversas com inúmeras pessoas, quase todas interessantes. Poucas pessoas, no entanto, me marcaram tão profundamente como Elisabete Jacinto que entrevistei em 2000, para a revista Executiva, projecto por cujo lançamento fui responsável, enquanto suplemento trimestral da revista Executive Digest. Elisabete Jacinto vivia apaixonada pelas corridas. As suas histórias tinham mistério e aventura e, afinal, a protagonista era uma pacata professora de Geografia – uma mulher normal, que graças ao motociclismo se tornava uma pessoa mais forte, mais corajosa, ultrapassando as suas limitações e os seus medos. Um exemplo!
Quando lhe propus contar-me a sua história de vida para o meu livro, Elisabete disse logo que sim: “Não me esquecerei nunca da entrevista. Constituiu um marco importante na minha vida. Fiquei muito surpreendida quando a li simplesmente porque descobri nesse dia que, afinal, eu era… optimista! Nós lutamos sempre por um objectivo ambicioso, que está sempre um bocadinho fora do nosso alcance. E temos de lidar com a frustração de não conseguirmos lá chegar. Não sabia que tecnicamente dito era optimista, se insistia é porque continuava a ter esperança. Essa descoberta depois puxou outras e é por isso que lhe digo que foi uma entrevista especial.”
Fiquei ainda mais curiosa de, quase uma década depois, saber que percurso trilhara esta mulher, que descobrira já tão fascinante aos 35 anos. A aventura das motas [mais tarde Elisabete começou a correr em camiões] consumia todos os seus esforços e recursos. Seria ainda assim? Nestes anos superou-se e conquistou algumas vitórias ou digeriu frustrações? Agora que a serpente do Dakar fugiu das douradas dunas do norte de África para correr na América do sul, sentiria Elisabete o mesmo apelo? A maternidade, dizia Elisabete naquela altura, estava a ser perigosamente adiada. Teria concretizado esse sonho?

Soledade Carvalho Duarte dizia que nascera para ser mãe. Tinha quatro filhos e vontade de ter muitos mais, e paralelamente uma empresa para cuidar. É managing partner da Invesco Transearch, a primeira empresa de pesquisa directa de executivos a lançar-se em Portugal. A actividade deste tipo de consultoras é encontrar os profissionais com o perfil adequado para uma posição aberta na empresa que contrata os seus serviços. São óptimas fontes para os jornalistas de negócios, pois conhecem os melhores executivos. É para estes profissionais que nos viramos quando precisamos de descobrir uma pessoa que tenha mudado de vida aos 40 anos, um engenheiro que tenha uma empresa de moda, ou um self made man que tenha chegado a presidente da empresa onde começara a trabalhar como paquete – entre aqueles profissionais que os caçadores de cabeças conhecem existe certamente algum com o perfil que procuramos. Maria Manuel Serina, uma amiga também jornalista, marcou um encontro para que nos conhecêssemos. Dizia dela que era uma pessoa excepcional. Desde então temos repetido almoços e os motivos já não são puramente profissionais. Fui conhecendo a Soledade e descobrindo a sua essência generosa que a levara a fundar o Banco Alimentar Contra a Fome de Setúbal, que liderou.

A mesma natureza fiel a si própria e preocupada com os outros encontrei em Maria Cavaco Silva. Estávamos em 15 de Maio de 2006. Numa sala do Hotel Pestana Palace decorria o jantar da 6.ª edição do Prémio Mulher Activa, que anualmente distingue as mulheres que dedicam a sua vida a fazer o bem. Aníbal Cavaco Silva tomara posse como 19º Presidente da República Portuguesa em 9 de Março de 2006 e este era o primeiro prémio promovido por aquela revista presidido por Maria Cavaco Silva. Quando subiu, segura, ao palanque, Maria não podia sentir a desconfiança que reinava nalgumas mesas, pois as fracturas eleitorais estavam nessa altura ainda muito expostas. A sala estava como que dividida em duas facções, os soaristas e os cavaquistas (apesar de Aníbal Cavaco Silva ter sido eleito à primeira volta com 50,6% dos votos). Maria Cavaco Silva discursou com autenticidade, com graça e com o saber acumulado por quem deu muitas aulas de Literatura Portuguesa a universitários. Não lhe foi difícil dar a volta. Conquistou toda a gente com a sua simplicidade e naturalidade. No final arrebatava uma sentida salva de palmas e eu acabara de descobrir outra mulher autêntica, sem artifícios.

Cristina Amaro era jornalista da Exame quando eu desempenhava funções de editora-chefe das revistas Executive Digest e Executiva. Apesar de nos cruzarmos na empresa em que ambas trabalhávamos, a agora designada Impresa Publishing, só nos conhecemos quando frequentámos o mesmo Programa Avançado de Marketing para Executivos, na Universidade Católica, em 1999. Anos mais tarde, estabelecemos uma parceria entre as marcas Exame e Imagens de Marca. Na qualidade de responsáveis por cada uma delas fizemos muitas reuniões e fui conhecendo a sua índole lutadora. Soube que, desempregada, Cristina dera a volta à situação criando o seu próprio emprego e o de 14 outras pessoas. Hoje é dona de uma produtora de televisão e tem motivos para se orgulhar por há oitoanos manter no ar o programa Imagens de Marca, uma referência para os profissionais da área do marketing e da publicidade.

No final de Agosto de 2007 recebo um e-mail de uma portuguesa residente em Paris, propondo-se colaborar com a Exame. No dia seguinte, deixou um recado: “Ligou Leonor Baldaque, artista, de Paris. Quer falar contigo”. Depois da nossa conversa, ficou a “correspondente” da Exame em Paris. A sua determinação e persuasão levaram a que conseguisse entrevistas em exclusivo para esta revista portuguesa com os presidentes de empresas como Boucheron, Hermès, Sephora, Veuve Cliquot, Chantal Tomass ou Lacoste. É preciso dizer que a Exame, apesar de ser líder de mercado, não tem a circulação necessária para que um executivo de topo com responsabilidades mundiais por marcas como as citadas decida dispensar uma hora da sua agenda. Mas a cada desafio que lhe lançava, Leonor ultrapassava-o, como aos trabalhos de Hércules.
Quando veio a Lisboa, filmar A Religiosa Portuguesa, em Outubro de 2008, marcámos um encontro para nos conhecermos (“eu sou morena e tenho o cabelo um pouco comprido, abaixo dos ombros”, explicou). Não foi difícil descobri-la. Aguardava-me encostada ao balcão e tinha um je ne sais quoi que tornava impossível não reparar nela. Falámos de Lisboa e de Paris, de cinema e da mala que ambas adoramos e que, por coincidência, leváramos iguais naquele dia. Leonor Baldaque é uma das musas do cineasta Manoel de Oliveira. Tal como as mulheres anteriores fazia coisas extraordinárias.

Muitas vezes venho destes encontros a pensar: há pessoas tão interessantes, com tanto valor, cujas histórias deveriam ser contadas! Eu sentia que os seus feitos, pequenas vitórias à sua escala, mereciam ser partilhados com outros.

Neste blogue prosseguirei a tafera de contar histórias de vida protagonizadas por pessoas invulgares pela sua riqueza interior, notáveis pela sua determinação, inspiradoras pelas suas realizações. Procurarei dar voz a pessoas pouco conhecidas, mas que têm mérito. Aqui vai encontrar exemplos de pessoas que não são espectadoras da sua própria vida - tomam o rumo da sua vida nas suas mãos, não hesitam em  procurar um destino melhor, estabelecendo para si próprias objectivos e padrões de exigência elevados, que perseguem com determinação.

Numa altura em que o marketing pessoal dita o sucesso ou o fracasso, em que se produzem celebridades à velocidade da luz, às vezes por razões incompreensíveis ou que não merecem ser enaltecidas, pretendo com este blogue enaltecer as pessoas ditas "normais", mas que podem servir de inspiração para outras pessoas porque têm qualquer coisa de especial. Ou as pessoas especiais que têm qualquer coisa de normal. Depende da perspectiva.
Isabel Canha