Mulheres excepcionais

domingo, 5 de fevereiro de 2012

As Mulheres normais têm qualquer coisa de excepcional


Bem-vinda(o) ao blogue "As Mulheres Excepcionais".

Tal como o livro As mulheres normais têm qualquer coisa de excepcional (Bertrand), que editei em 2010, este blogue pretende divulgar retratos de algumas pessoas fortes, singulares e optimistas que me tocaram. Na sua diversidade, as pessoas aqui retratadas ilustram a multiplicidade de gerações, vivências e mentalidades das mulheres em Portugal. Será também um espaço de partilha e reflexão sobre assuntos que tenham que ver com a condição da mulher.


A profissão de jornalista, que exerço há mais de 20 anos, tem-me proporcionado o conhecimento e conversas com inúmeras pessoas, quase todas interessantes. Poucas pessoas, no entanto, me marcaram tão profundamente como Elisabete Jacinto que entrevistei em 2000, para a revista Executiva, projecto por cujo lançamento fui responsável, enquanto suplemento trimestral da revista Executive Digest. Elisabete Jacinto vivia apaixonada pelas corridas. As suas histórias tinham mistério e aventura e, afinal, a protagonista era uma pacata professora de Geografia – uma mulher normal, que graças ao motociclismo se tornava uma pessoa mais forte, mais corajosa, ultrapassando as suas limitações e os seus medos. Um exemplo!
Quando lhe propus contar-me a sua história de vida para o meu livro, Elisabete disse logo que sim: “Não me esquecerei nunca da entrevista. Constituiu um marco importante na minha vida. Fiquei muito surpreendida quando a li simplesmente porque descobri nesse dia que, afinal, eu era… optimista! Nós lutamos sempre por um objectivo ambicioso, que está sempre um bocadinho fora do nosso alcance. E temos de lidar com a frustração de não conseguirmos lá chegar. Não sabia que tecnicamente dito era optimista, se insistia é porque continuava a ter esperança. Essa descoberta depois puxou outras e é por isso que lhe digo que foi uma entrevista especial.”
Fiquei ainda mais curiosa de, quase uma década depois, saber que percurso trilhara esta mulher, que descobrira já tão fascinante aos 35 anos. A aventura das motas [mais tarde Elisabete começou a correr em camiões] consumia todos os seus esforços e recursos. Seria ainda assim? Nestes anos superou-se e conquistou algumas vitórias ou digeriu frustrações? Agora que a serpente do Dakar fugiu das douradas dunas do norte de África para correr na América do sul, sentiria Elisabete o mesmo apelo? A maternidade, dizia Elisabete naquela altura, estava a ser perigosamente adiada. Teria concretizado esse sonho?

Soledade Carvalho Duarte dizia que nascera para ser mãe. Tinha quatro filhos e vontade de ter muitos mais, e paralelamente uma empresa para cuidar. É managing partner da Invesco Transearch, a primeira empresa de pesquisa directa de executivos a lançar-se em Portugal. A actividade deste tipo de consultoras é encontrar os profissionais com o perfil adequado para uma posição aberta na empresa que contrata os seus serviços. São óptimas fontes para os jornalistas de negócios, pois conhecem os melhores executivos. É para estes profissionais que nos viramos quando precisamos de descobrir uma pessoa que tenha mudado de vida aos 40 anos, um engenheiro que tenha uma empresa de moda, ou um self made man que tenha chegado a presidente da empresa onde começara a trabalhar como paquete – entre aqueles profissionais que os caçadores de cabeças conhecem existe certamente algum com o perfil que procuramos. Maria Manuel Serina, uma amiga também jornalista, marcou um encontro para que nos conhecêssemos. Dizia dela que era uma pessoa excepcional. Desde então temos repetido almoços e os motivos já não são puramente profissionais. Fui conhecendo a Soledade e descobrindo a sua essência generosa que a levara a fundar o Banco Alimentar Contra a Fome de Setúbal, que liderou.

A mesma natureza fiel a si própria e preocupada com os outros encontrei em Maria Cavaco Silva. Estávamos em 15 de Maio de 2006. Numa sala do Hotel Pestana Palace decorria o jantar da 6.ª edição do Prémio Mulher Activa, que anualmente distingue as mulheres que dedicam a sua vida a fazer o bem. Aníbal Cavaco Silva tomara posse como 19º Presidente da República Portuguesa em 9 de Março de 2006 e este era o primeiro prémio promovido por aquela revista presidido por Maria Cavaco Silva. Quando subiu, segura, ao palanque, Maria não podia sentir a desconfiança que reinava nalgumas mesas, pois as fracturas eleitorais estavam nessa altura ainda muito expostas. A sala estava como que dividida em duas facções, os soaristas e os cavaquistas (apesar de Aníbal Cavaco Silva ter sido eleito à primeira volta com 50,6% dos votos). Maria Cavaco Silva discursou com autenticidade, com graça e com o saber acumulado por quem deu muitas aulas de Literatura Portuguesa a universitários. Não lhe foi difícil dar a volta. Conquistou toda a gente com a sua simplicidade e naturalidade. No final arrebatava uma sentida salva de palmas e eu acabara de descobrir outra mulher autêntica, sem artifícios.

Cristina Amaro era jornalista da Exame quando eu desempenhava funções de editora-chefe das revistas Executive Digest e Executiva. Apesar de nos cruzarmos na empresa em que ambas trabalhávamos, a agora designada Impresa Publishing, só nos conhecemos quando frequentámos o mesmo Programa Avançado de Marketing para Executivos, na Universidade Católica, em 1999. Anos mais tarde, estabelecemos uma parceria entre as marcas Exame e Imagens de Marca. Na qualidade de responsáveis por cada uma delas fizemos muitas reuniões e fui conhecendo a sua índole lutadora. Soube que, desempregada, Cristina dera a volta à situação criando o seu próprio emprego e o de 14 outras pessoas. Hoje é dona de uma produtora de televisão e tem motivos para se orgulhar por há oitoanos manter no ar o programa Imagens de Marca, uma referência para os profissionais da área do marketing e da publicidade.

No final de Agosto de 2007 recebo um e-mail de uma portuguesa residente em Paris, propondo-se colaborar com a Exame. No dia seguinte, deixou um recado: “Ligou Leonor Baldaque, artista, de Paris. Quer falar contigo”. Depois da nossa conversa, ficou a “correspondente” da Exame em Paris. A sua determinação e persuasão levaram a que conseguisse entrevistas em exclusivo para esta revista portuguesa com os presidentes de empresas como Boucheron, Hermès, Sephora, Veuve Cliquot, Chantal Tomass ou Lacoste. É preciso dizer que a Exame, apesar de ser líder de mercado, não tem a circulação necessária para que um executivo de topo com responsabilidades mundiais por marcas como as citadas decida dispensar uma hora da sua agenda. Mas a cada desafio que lhe lançava, Leonor ultrapassava-o, como aos trabalhos de Hércules.
Quando veio a Lisboa, filmar A Religiosa Portuguesa, em Outubro de 2008, marcámos um encontro para nos conhecermos (“eu sou morena e tenho o cabelo um pouco comprido, abaixo dos ombros”, explicou). Não foi difícil descobri-la. Aguardava-me encostada ao balcão e tinha um je ne sais quoi que tornava impossível não reparar nela. Falámos de Lisboa e de Paris, de cinema e da mala que ambas adoramos e que, por coincidência, leváramos iguais naquele dia. Leonor Baldaque é uma das musas do cineasta Manoel de Oliveira. Tal como as mulheres anteriores fazia coisas extraordinárias.

Muitas vezes venho destes encontros a pensar: há pessoas tão interessantes, com tanto valor, cujas histórias deveriam ser contadas! Eu sentia que os seus feitos, pequenas vitórias à sua escala, mereciam ser partilhados com outros.

Neste blogue prosseguirei a tafera de contar histórias de vida protagonizadas por pessoas invulgares pela sua riqueza interior, notáveis pela sua determinação, inspiradoras pelas suas realizações. Procurarei dar voz a pessoas pouco conhecidas, mas que têm mérito. Aqui vai encontrar exemplos de pessoas que não são espectadoras da sua própria vida - tomam o rumo da sua vida nas suas mãos, não hesitam em  procurar um destino melhor, estabelecendo para si próprias objectivos e padrões de exigência elevados, que perseguem com determinação.

Numa altura em que o marketing pessoal dita o sucesso ou o fracasso, em que se produzem celebridades à velocidade da luz, às vezes por razões incompreensíveis ou que não merecem ser enaltecidas, pretendo com este blogue enaltecer as pessoas ditas "normais", mas que podem servir de inspiração para outras pessoas porque têm qualquer coisa de especial. Ou as pessoas especiais que têm qualquer coisa de normal. Depende da perspectiva.
Isabel Canha

4 comentários:

  1. Parabéns pela iniciativa.
    Hoje em dia, só mulheres extraordinárias conseguem ser "normais", sem pose ou sem queixume. As que simplesmente aparentam ser sobreviventes, são guerreiras fantásticas com uma força anímica colossal, que em cada dia vencem inúmeras batalhas e não perdem a capacidade de sorrir e de amar. Venham daí as histórias... Bjs

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  2. Obrigada, João! Essas são exactamente as histórias que pretendo contar. Um beijo

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  3. Adorei e vou seguir este seu blogue que, estou certo, que vai ter muito sucesso. O tema é vasto, muito interessante e atravessamos um momento em que precisamos partilhar o que temos de bom.
    Muito obrigado, muitos parabéns e, fico a aguardar mais histórias de Mulheres normais que têm qualquer coisa de excepcional.

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    1. Obrigada pelo seu interesse! Espere que goste das histórias que aqui vou trazer. Até breve.

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